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Decisão monocrática
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Apelação Cível nº 0023279-61.2024.8.16.0031 da 2ª Vara da Fazenda Pública de Guarapuava Apelante: Município de Guarapuava Apelada: Ana Dohan Relator: Desembargador Substituto Fernando César Zeni (em substituição ao Des. Sérgio Roberto Nóbrega Rolanski) APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. AJUIZAMENTO APÓS O TEMA 1184 DO STF E DA RESOLUÇÃO 547/2024 DO CNJ. AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DOS REQUISTOS AUTORIZADORES (PRÉVIA SOLUÇÃO ADMINISTRATIVA E PROTESTO DO TÍTULO). APLICAÇÃO DOS ARTS. 2º E 3º DA RESOLUÇÃO 547/24 DO CNJ E ITEM 2 DO TEMA 1184 DO STF. EXTINÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença que indeferiu a petição inicial e julgou extinta a execução fiscal pela ausência de interesse de agir, tendo em vista que, apesar de intimada, a Fazenda Pública não emendou a inicial para demonstrar o cumprimento das prévias medidas administrativas previstas no Tema 1.184 julgado pelo Supremo Tribunal Federal, sem condenação em custas (mov. 15.1). Em suas razões (mov. 18.1), o apelante alega, em síntese, que: a) o Município de Guarapuava possui norma que estabelece limite mínimo para o ajuizamento das ações de execução fiscal, ou seja, estabelece quais ações são consideradas de baixo valor para a realidade local (Lei Complementar Municipal nº 51/2014, regulamentada pelo Decreto nº 6.346/2017); b) baixo valor, para fins de ajuizamento de execução fiscal no Município ora apelante, são valores inferiores a 17 (dezessete) UFM, que no presente momento, equivalem a R$ 1.311,38 (um mil, trezentos e onze reais e trinta e oito centavos) e, no momento do ajuizamento a CDA desta execução estava acima do mínimo legal; c) tanto o Tema 1184, como a própria Resolução nº 547/2024 do CNJ, fazem expressa ressalva à competência constitucional de cada ente federado. Exatamente o caso do Município de Guarapuava, que exerceu sua competência e normatizou a questão, não sendo aplicável, via de resultado, o limite de R$10.000,00 previsto na referida Resolução; d) a sentença ora recorrida não observou os limites impostos pelo Tema 1184 para que fosse autorizada a extinção de execuções fiscais consideradas de baixo valor - autonomia dos entes federados para estipularem os valores mínimos para propositura de execuções fiscais -, pugna a Fazenda Pública pela sua cassação a fim de que o feito possa ter regular prosseguimento; e) o Conselho Nacional de Justiça não detém competência constitucional para legislar sobre direito processual, o que se infere da mera leitura do art. 22, I, da CF, de modo que a referida Resolução padece de flagrante inconstitucionalidade, razão pela qual se impõe a reforma da sentença ora recorrida que extinguiu a execução fiscal pela aplicação da regra estabelecida no art. 1º, §1º da Resolução nº 547/2024 do CNJ. Requer o provimento do recurso, para que haja o prosseguimento da execução fiscal. Sem necessidade de contrarrazões, em razão da ausência de citação da parte apelada na execução fiscal. 2. Inicialmente, não há decisão surpresa, uma vez que o Tema 1184 do Supremo Tribunal Federal tem aplicação cogente, desde sua edição, por força dos art. 1.039 e 1.040 do Código de Processo Civil. O Supremo Tribunal Federal julgou o RE 1.355.208/STF (Tema nº 1184), que foi assim ementado: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL DE BAIXO VALOR POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR: POSTERIOR AO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 591.033 (TEMA N. 109). INEXISTÊNCIA DE DESOBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS FEDERATIVO E DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. FUNDAMENTOS EXPOSTOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA TESE DO TEMA N. 109 DA REPERCUSSÃO GERAL: INAPLICABILIDADE PELA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE POSSIBILITOU PROTESTO DAS CERTIDÕES DA DÍVIDA ATIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Ao se extinguir a execução fiscal de pequeno valor com base em legislação de ente federado diverso do exequente, mas com fundamento em súmula do Tribunal catarinense e do Conselho da Magistratura de Santa Catarina e na alteração legislativa que possibilitou protesto de certidões da dívida ativa, respeitou-se o princípio da eficiência administrativa. 2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem nortear as práticas administrativas e financeiras na busca do atendimento do interesse público. Gastos de recursos públicos vultosos para obtenção de cobranças de pequeno valor são desproporcionais e sem razão jurídica válida. 3. O acolhimento de outros meios de satisfação de créditos do ente público é previsto na legislação vigente, podendo a pessoa federada valer-se de meios administrativos para obter a satisfação do que lhe é devido. 4. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento com proposta da seguinte tese com repercussão geral: “É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor, pela ausência de interesse de agir, tendo em vista o princípio da eficiência administrativa”. (RE 1.355.208, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2023, publicado em 02/04/2024) Por conseguinte, foi fixada a seguinte tese: “1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. 2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis.” A partir do julgamento do referido Tema, o Pleno do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, por meio do Ato Normativo de nº 0000732-68.2024.2.00.0000, instituiu medidas a serem aplicadas às execuções fiscais pendentes no Poder Judiciário, dispondo em seu artigo 1º: “Art. 1º. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. § 1º. Deverão ser extintas as execuções fiscais de valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) quando do ajuizamento, em que não haja movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tenham sido localizados bens penhoráveis. Nesse ponto, cabe ressaltar que, nos casos em que legislação municipal já prevê um valor mínimo para ajuizamento de execução fiscal, deve ser considerado que o art. 1º da Resolução nº 547/2024 – CNJ tem prevalência, ao consignar o respeito à competência constitucional de cada ente federado e tal disposição deve ser interpretada à luz dos fundamentos lançados no julgamento do Tema nº 1.184 – STF, no qual assim se especificou: “(...) 2. Em dívidas de baixo valor, o custo de movimentar os processos de execução fiscal é muito superior ao próprio valor que se busca recuperar. Além disso, estudos demonstram que os entes públicos têm mais chance de recuperar o valor da dívida quando usam o protesto de certidão de dívida ativa (que é uma solução mais rápida e barata) do que quando acionam o Poder Judiciário por meio da execução fiscal. Assim, é preciso adotar medidas que reduzam o número de execuções fiscais e, ao mesmo tempo, permitam que os entes públicos cobrem os débitos de maneira mais eficiente. 3. Por isso, a União, os Estados e os Municípios devem fixar em lei um valor mínimo (piso) para iniciar execuções fiscais que guarde relação com o custo de movimentação desses processos. Quando o ente público não fixar esse mínimo ou quando ele for muito baixo, o Judiciário pode definir o piso de ajuizamento a ser aplicado. Assim, o juiz pode encerrar as execuções fiscais iniciadas para a cobrança de débitos com baixo valor, com base nos princípios constitucionais da eficiência e da razoabilidade (art. 37, caput) (...)”.1 (destaquei) 1 https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE1355208Tema1184ex- tinodeexecuofiscaldebaixovaloreprotestodadvidaativarev.LC_AO_FSP.pdf Nesse raciocínio, verifica-se que o valor previsto na legislação municipal do recorrente como piso para o ajuizamento das execuções fiscais escapou à razoabilidade, sobretudo se comparado ao custo mínimo de um processo, o qual, segundo levantamento feito pelo Núcleo de Processos Estruturais e Complexos do STF2, compõe o montante de R$ 9.277,00 (nove mil, duzentos e setenta e sete reais). Válido consignar, também, que devem ser observadas as condições de ajuizamento (procedibilidade) estabelecidas tanto no item “2” da tese fixada no julgamento do Tema nº 1.184: “2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida”, quanto nos art. 2º e 3º da Resolução nº 547/2024 do CNJ: Art. 2º O ajuizamento de execução fiscal dependerá de prévia tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa. (...) Art. 3º O ajuizamento da execução fiscal dependerá, ainda, de prévio protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. Esta Resolução, reitere-se, tem força de lei: APELAÇÃO – EXECUÇÃO FISCAL – EXTINÇÃO EM LOTE DE EXECUÇÕES FISCAIS POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR RELACIONADAS EM EXPEDIENTE ADMINISTRATIVO FORMADO COM FUNDAMENTO NA 2 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5455 TESE FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TEMA 1184 E NOS TERMOS DA RESOLUÇÃO Nº 547/2024 DO CNJ E PROVIMENTO CSM 2.738/2024 COM A REDAÇÃO DADA PELO PROVIMENTO 2744/2024 DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA – CABIMENTO – PRESENÇA DO(S) REQUISITO(S) PARA EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR – RESOLUÇÃO DO CNJ QUE TEM FORÇA DE LEI SEGUNDO O C. STF - PRECEDENTES DO C. STF, DO E. STJ E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - SENTENÇA DE EXTINÇÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO. (TJSP - Apelação Cível nº 0009489- 87.2024.8.26.0562, 18ª CC, rel. Des. Marcelo L Theodósio, j. em 16 de agosto de 2024) Ou seja, o ajuizamento da execução fiscal de baixo valor, nos termos da Resolução nº 547 do Conselho Nacional de Justiça, dependerá de prévia tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa, e de anterior protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa comprovada objetivamente nos autos, requisitos que devem ser demonstrados ao tempo da propositura, sob pena de indeferimento da petição inicial por falta de interesse-necessidade E, ainda que se alegue ausência de publicação do aresto paradigma, consigne-se que: “As decisões proferidas por esta Corte são de observância imediata. Portanto, não é necessário aguardar o trânsito em julgado do acórdão paradigma para aplicação da sistemática da repercussão geral. Precedentes” (Agravo Regimental na Reclamação n. 30.003/SP, 1ª Turma, julgado em sessão virtual entre os dias 25/05/2018 e 01/06/2018) E também não se alegue eventual inconstitucionalidade e/ou ilegalidade da Resolução 547/2024 do CNJ, posto que o ato do CNJ apenas particulariza medidas acerca das teses fixadas no julgamento do Tema 1184, que se mostram em conformidade com o quanto decidido pelo STF no referido julgamento. Assim decidiu o próprio Supremo Tribunal Federal: “AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA. EXAME PSICOTÉCNICO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO TEOR DA SÚMULA VINCULANTE 44. INOCORRÊNCIA. PREVISÃO DO EXAME EM RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO COM FORÇA DE LEI. PRECEDENTES. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO” (Reclamação n° 60.445 AgR, 1ª Turma, rel. Ministro LUIZ FUX, j. 22/08/2023) Portanto, no caso em exame, verifica-se que a execução foi ajuizada em 19/12/2024 para cobrança de IPTU e taxas no valor de R$ 1.407,75. Ou seja, trata-se de execução ajuizada em data posterior ao julgamento do Tema 1.184. Analisando os autos, tem-se que o município exequente não cumpriu com os requisitos necessários para o ajuizamento da execução fiscal, conforme a previsão dos artigos 2º e 3º da Resolução mencionada, na medida em que, juntamente com a petição inicial, não houve a devida comprovação de que houve prévia tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa e também não foi apresentado o protesto da dívida. Deve ser ressaltado que o juízo de primeiro grau oportunizou, antes da extinção, que a parte exequente juntasse a comprovação da adoção das medidas administrativas e do protesto do título (mov. 9.1), o que não foi cumprido pelo exequente. Portanto, acertadamente, o juízo de origem extinguiu a ação, visto que a execução foi ajuizada após o julgamento do Tema 1184 do STF, e o cumprimento das obrigações estabelecidas pelos citados art. 2º e art. 3º, ambos da Resolução do CNJ, deveriam ter sido observados antes da propositura, como condição de procedibilidade. No entanto, observa-se que, uma vez cumprida as exigências administrativas faltantes dispostas nos arts. 2º e 3º da Resolução do CNJ nº 547/2024, é possível a inauguração pelo exequente de uma nova execução, com base no art. 1º, § 3º. Neste momento, a manutenção da sentença extintiva é medida imposta à luz do Tema 1184 do STF. Alerta-se ser desnecessária a oposição de embargos de declaração para fins de prequestionamento, na medida em que toda a matéria ventilada está automaticamente prequestionada (prequestionamento implícito). 3. Ante o exposto, nego provimento ao recurso, com fulcro no art. 932, inciso IV, alínea “b”, do CPC, mantendo a sentença de extinção. 4. Int. Curitiba, 01 de julho de 2025. Fernando César Zeni Relator
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